Artigo da Revista Sábado (completo)
Já houve chapadas e muitos insultos. E quem acusasse os Irmãos de serem vingativos. Os programas eleitorais também deixam marcas para sempre
A corrupção alastrava, o compadrio sobrepusera-se ao mérito e as multinacionais ditavam as leis. As televisões criavam factos políticos e impunham a obscenidade. E até os partidos já eram só máquinas de conquista de poder e agências de emprego. Em 2002, este angustiado diagnóstico do estado da sociedade marcou a declaração de princípios do programa eleitoral de António Arnaut, advogado, ex-ministro dos Assuntos Sociais do II Governo liderado por Mário Soares (1978) e candidato a grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL).
Na altura, Arnaut teve dois adversários na renhida luta eleitoral para dirigir a mais antiga e influente corrente maçónica portuguesa. Quinze anos depois, as disputas eleitorais voltaram nas últimas semanas aos templos da maçonaria do Bairro Alto. Também com três listas e muita polémica à mistura. "Face às tomadas de posição públicas de vários Irmãos em apoio da Lista C, justificadas umas por reconhecimento de favores recebidos, motivadas outras pela expectativa de ganhos futuros, entendi partilhar contigo algumas razões pelas quais entendo que os candidatos da Lista C não oferecerem as condições bastantes para o exercício dos cargos a que concorrem", escreveu o advogado maçom Victor Marques, acusando de seguida o actual Grão-Mestre Fernando Lima (e recandidato ao cargo) de o perseguir internamente porque se teria oposto à venda de património imobiliário controlado pelo GOL.
O GOL elege este sábado, dia 3, o grão-mestre que vai liderar nos próximos três anos a mais antiga corrente maçónica portuguesa. Na corrida estão três candidatos, mas a grande novidade destas eleições não foram as polémicas internas (são sempre muitas), mas os vídeos de apoio que a Lista A, encabeçada por José Adelino Maltez, divulgou internamente nas lojas maçónicas.
Em pouco mais de um minuto, os socialistas João Soares e Álvaro Beleza (antigos candidatos à liderança do PS) revelaram abertamente que são maçons e as razões pelas quais apoiam o professor universitário José Adelino Maltez. Outros maçons fizeram o mesmo e a guerra eleitoral estalou. "Isto é sempre assim nas eleições, um verdadeiro pandemónio", destaca com alguma ironia um maçon, alertando que os dois principais candidatos são Adelino Maltez e o actual grão-mestre, Fernando Lima. O terceiro candidato é Daniel Madeira de Castro, que garante que, se for eleito, vai exercer o cargo "em regime de total exclusividade". O economista defende ainda que é preciso acabar com o mito de que a maçonaria é uma sociedade secreta.
Internamente, no GOL, Madeira de Castro escreveu a vários maçons a incentivá-los a fazerem propaganda por ele: "Se fizeres um mínimo de 10 chamadas/dia para Irmãos dos teus contactos, nomeadamente Irmãos de referência nas respectivas lojas, apelando ao voto na Lista B, preenchemos um desiderato difícil de igual e constituirá um forte incentivo ao dever de votar e votar bem". A mensagem não convenceu muita gente e houve até maçons que lhe responderam que nunca o apoiariam enquanto Madeira de Castro não recusasse o apoio que teve de um outro maçon, Damião Vozone, o presidente cessante dos Inválidos do Comércio, uma instituição de beneficência.
Intrigante? A história é fácil de contar. Durante os oito anos que dirigiu os Inválidos, Vozone incompatibilizou-se com vários maçons também sócios da instituição. Houve processos crime (Vozone perdeu-os todos), expulsões de sócios e até cartazes com os rostos dos maçons proibidos de entrar nas instalações dos Inválidos. O caso só acabou de vez quando Vozone perdeu, há cerca de uma semana, as eleições para a liderança da instituição de beneficência que é dona de um vasto património imobiliário em Lisboa.
Depois de os Irmãos críticos lhe apontarem o carácter persecutório e a venda de património (vários milhões em 2015/16), Vozone chegou a responder numa mensagem de email enviada a dezenas de Irmãos do Grande Oriente Lusitano (GOL): garantiu que estava arrependido de ter nomeado, desde 2008,maçons "para todos os órgãos sociais" da associação de solidariedade que gere um património imobiliário avaliado em mais de 70 milhões de euros. Tudo porque dois deles estariam a tentar destruí-lo acusando-o de irregularidades na gestão da instituição.
A guerra nos Inválidos do Comércio, uma associação privada fundada na década de 20 pelo maçon Alexandre Ferreira (pai do escritor e também maçon José Gomes Ferreira) que acolhe e ajuda centenas de idosos, começou com denúncias internas de má gestão que incluíam, por exemplo, dezenas de milhares de euros em compras à empresa do genro do presidente da instituição. As queixas chegaram depois à Inspecção da Segurança Social e ao Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. E também aos templos secretos da maçonaria do Bairro Alto, porque o maçon Vozone decidiu pedir por escrito ajuda a amigos profanos (não maçons) e a dezenas de Irmãos, especialmente os da sua loja, a Madrugada.
No pedido de auxílio a que a SÁBADO teve acesso, o presidente da direcção do Inválidos do Comércio chegou a garantir que estava a ser vítima de uma "vingança" de outros dois maçons que tinha escolhido para a direcção da associação e a quem tinha retirado os respectivos pelouros. Damião Vozone garantiu que estava a lutar contra a "mais vil atitude de um maçon, a vingança" e que o objectivo dos dois Irmãos passava por controlar o valioso património imobiliário dos Inválidos do Comércio. A associação é hoje, fruto de dezenas de doações e heranças de sócios ao longo dos anos, a terceira maior proprietária de imóveis de Lisboa, logo a seguir à autarquia e à Santa Casa da Misericórdia.
Os partidos políticos e a corrupção
As eleições no GOL sempre foram marcadas por polémicas internas e jogadas de bastidores como o que sucedeu nos Inválidos do Comércio. Dentro e fora dos templos, há verdadeiras guerras pessoais travadas por Irmãos desavindos. E programas eleitorais que ficaram na memória devido aos atritos que geraram. Em 2002, António Arnaut começou por se interrogar - "Teremos nós cumprido o nosso dever?!" - e de seguida defendeu que era "obrigação indeclinável do maçon" travar de vez a degradação da autoridade do Estado e defender o regime democrático. "Vivemos, numa aldeia global, num liberalismo capitalista e financeiro sem alma nem regras", desabafou.
A declaração de princípios não esqueceu a actuação dos partidos políticos, "que deviam ser intérpretes do interesse nacional e escolas de civismo", mas que se teriam transformado em "máquinas de conquista de poder e agências de emprego". Assim, segundo defendeu, também eles eram responsáveis pelo "laxismo, a irresponsabilidade e a ganância" que teriam atingido "um tal grau de perigosidade" que afectavam tudo e todos, "desde a família à administração pública", e punham "em causa a paz, a liberdade, o progresso e o próprio regime democrático".
Por tudo isso, a missão silenciosa da Irmandade era ainda mais urgente, mas só teria sucesso se assentasse num novo tipo de prática maçónica que evitasse as disputas político-partidárias, "não só por imperativo ético-jurídico, mas também para não provocarem divisões na família maçónica, como aconteceu no passado, pois as nossas colunas são sustentadas por obreiros de todas as ideologias democráticas".
Para António Arnaut, a acção política era "frequentemente antiética", porque simplesmente se submetia "às ditaduras dominantes", simbolizadas pelos lóbis, a teia da burocracia e do corporativismo e os grandes grupos conómico-mediáticos que exploravam a"credulidade popular e a vaidade de certos governantes, determinando as decisões e condicionando a vida de todos nós".
Para o fundador do PS e antigo resistente ao regime do Estado Novo, estavam cada vez mais longínquos os novos tempos trazidos pela Revolução de Abril de 1974, que tinham criado as condições para a instauração dos ideais maçónicos e promovido um salto qualitativo na vida do País. "[…] quem, entre nós, está satisfeito?"questionava especificando as novas ameaças:"Surgiram, entretanto, outras formas de tirania e de alienação que ameaçam submergir o sonho e os valores da Fraternidade." Apesar do alegado panorama desolador a sociedade portuguesa, o socialista defendia que o trabalho dos maçons devia ser feito no "maior recato"e nisso incluía a intervenção do grão-mestre. Por isso, anunciou que só falaria publicamente em situações-limite e se estivessem "em causa a democracia, os direitos humanos, a identidade e a cultura portuguesas".
O tipo de aCtuação era partilhado por outra das três listas de candidatos a grão-mestre que se apresentaram então aos maçons do GOL. Curiosamente, o discurso era igualmente inflamado. "Esta nossa posição exige que não nos calemos perante qualquer tentativa de denegrição da nossa imagem, de lançamento de mentiras, calúnias ou equívocos", dizia Carlos Morais dos Santos, 67 anos, economista, fundador e dirigente do Partido Renovador Democrático (PRD), uma força política que fora inspirada e liderada pelo ex-Presidente da República, António Ramalho Eanes.
O programa de candidatura de Morais dos Santos – um maçon iniciado em 1981 na Loja Obreiros do Trabalho – colocava o enfoque no combate à "exaltação do materialismo absurdo e da desorientação e perda de valores e ideais" da sociedade portuguesa. Por causa disso, o maçon defendia que o novo líder do GOL teria de fazer um relatório anual sobre o "estado da sociedade e do homem", cuja síntese deveria apresentar à sociedade civil e aos órgãos de soberania portugueses.
Nas disputadas eleições de 2002 para o Grão-Mestrado do GOL, a terceira candidatura foi liderada pelo arquitecto José Carvalho Fava, que desempenhara, nos últimos seis anos, a função de grão-mestre adjunto de Eugénio Oliveira. Iniciado na Loja Revolta, em Coimbra, a 30 de Março de 1985, José Fava tinha outros dois trunfos: passara os últimos anos a coordenar as obras de remodelação da sede do GOL, onde até colocara em funcionamento um elevador, e era sogro de um político e ministro que prometia dar cartas no PS. Um dos três filhos do arquitecto, Sofia Fava, era a então mulher de José Sócrates.
Na lista de José Fava estava outro destacado socialista, o ex-deputado e ex-subsecretário de Estado para a Comunicação Social do I Governo Constitucional (1978), João Soares Louro. Iniciado na Loja Alberto Sampaio, em Viseu, a 16 de Maio de 1987, tinha então 54 anos, Soares Louro fez quase toda a sua carreira profissional na empresa pública de televisão e rádio, onde foi presidente do Conselho de Administração entre 1978/80 (RTP) e entre 1992/93 (RDP). Durante esse percurso profissional, nunca escondeu que era um defensor acérrimo da separação do Estado e da Igreja.
"A laicidade é o suporte maior da igualdade face ao direito e não apenas uma norma constitucional. É um valor que cada maçon deve transportar consigo na sociedade em que está inserido, divulgando-o e esclarecendo o seu significado", defendia o programa da candidatura que optara por anunciar à Irmandade a obra feita, e aquela que ainda estava por fazer, em detrimento de adjectivadas análises sobre o estado do mundo e do país.
O tom já era esse quando a candidatura foi formalmente anunciada, a 27 de Fevereiro de 2002. Nesse documento, os subscritores diziam que iriam continuar o "trabalho sereno" dos últimos anos e que pretendiam aumentar "a coesão entre os Obreiros e as Lojas" e "impedirem qualquer tentativa de fraccionamento ou divisionismo."
Nas semanas anteriores às eleições, os três candidatos visitaram dezenas de lojas maçónicas para responderem às perguntas dos Irmãos e apresentarem as suas propostas. Um dos candidatos, Morais dos Santos, chegou até a enviar às lojas, por correio, alguns milhares de folhetos com os seus principais compromissos e um apelo: "Precisamos do teu voto!" Como numa vulgar eleição profana.
O maçon indesejado do PSD e do Estado Novo
A 1 de Junho, os maçons do GOL foram às urnas escolher o grão-mestre para o triénio 2002-2005. Mais uma vez, o clima era de cortar à faca, nos templos e fora deles. Nas últimas semanas, a campanha eleitoral dividira profundamente os candidatos e os seus apoiantes, que se envolveram em violentas trocas de palavras e acusações mútuas. Um verdadeiro contrassenso em relação ao que se lia no programa eleitoral de António Arnaut, que dizia que a "maledicência, a intriga e o oportunismo" não deveriam ter lugar nos templos maçónicos.
No centro do furacão eleitoral estava o social-democrata Luís Fontoura, membro da Loja Convergência, antigo secretário de Estado da Cooperação e Desenvolvimento no VIII Governo liderado por Pinto Balsemão (1981/83) e um dos dois candidatos a grão-mestre adjunto na lista de António Arnaut, a principal favorita à vitória.
Em várias reuniões e sessões da maçonaria, Luís Fontoura era estava a ser acusado de ter "um passado pouco claro", com vários membros do GOL a espalharem a ideia de que existiam documentos – "fichas da PIDE" – que comprometiam o candidato e, por arrasto, quem o tinha escolhido para integrar a lista de candidatura a grão-mestre."Por todo o país maçónico estão a ocorrer telefonemas e conversas dizendo isto e aquilo do Fontoura. Há inclusive ameaças que se vão colocar tudo nos jornais", garantia na altura uma fonte do GOL, que desconfiava que as acusações vinham sobretudo da candidatura de José Fava e dos sectores ligados ao polémico Grão-Mestre cessante, o coronel Eugénio Oliveira. A situação era de tal forma melindrosa que Luís Fontoura já tinha ido à sede do GOL pedir explicações ao militar reformado.
"O caldo entornou-se de vez", resumia uma fonte, com outra a salientar que o próprio António Arnaut teria "encostado à parede" Eugénio de Oliveira durante a apresentação do selo comemorativo dos 200 anos do GOL. "Exigiu saber que documentos existiam contra Fontoura e classificou os argumentos como sórdidos e vis, adjectivos que estendeu a quem os utilizava", explicou a fonte, desabafando que nunca vira uma confusão como aquela nos 25 anos em que já estava na maçonaria – "É ensurdecedor. Só se fala das fichas da PIDE do Luís Fontoura".
No GOL, a tendência jacobina não perdoava o fato de Luís Fontoura (morreu em 2014) ter sido um homem de confiança do Estado Novo, membro da União Nacional, inspector da Mocidade Portuguesa em Angola e chefe de gabinete de César Moreira Baptista, o histórico presidente do Secretariado Nacional de Informação (SNI) que, a 7 de Novembro de 1973, foi nomeado por Marcello Caetano subsecretário de Estado da Presidência do Conselho. Os maçons do GOL tinham ainda nas mãos uma informação da PIDE, datada de 1962, que atestava o "bom comportamento moral" de Luís Fontoura, um preceito legal exigido para a concessão de uma bolsa de estudo na Universidade de Coimbra.
"Ele nunca escondeu nada disto e está no GOL desde 1980, há 22 anos. E um dos Irmãos que o trouxe para cá foi um dos fundadores do PS, o Raul Rego", justificou uma fonte da candidatura de António Arnaut, argumentando que o verdadeiro alvo era o candidato socialista. Para contrariar estas acusações, a candidatura de António Arnaut usou outro argumento de peso para convencer maçons: uma carta escrita por Fernando Valle, então com 102 anos. Iniciado no GOL em 1923, o presidente honorário do PS declarou o seu "incondicional apoio" à lista onde estava Luís Fontoura.
O clima entre as candidaturas de António Arnaut e de José Fava era realmente tudo menos pacífico. Entre os maçons, o advogado de Coimbra não se coibia de classificar o arquitecto como "um traidor". Segundo fontes ligadas à candidatura de António Arnaut, os dois históricos maçons teriam tido várias conversas e acordado que só o advogado de Coimbra avançaria como candidato a grão-mestre, mas José Fava decidira recuar à última hora e apresentara-se também às eleições. As relações entre os dois maçons ficaram de tal forma afectadas que durante a campanha, ao contrário do que sucedia com o candidato Morais dos Santos, António Arnaut nunca fez com ele sessões de esclarecimento conjuntas nas várias lojas.
Apesar da polémica, a votação maçónica foi relativamente previsível, no que diz respeito ao vencedor e também no reduzido número de maçons que foram às urnas. Votaram 500 mestres maçons (os únicos maçons que podem ainda hoje votar), houve cerca de 60 por cento de abstenção e muitos votos nulos e brancos. Ou seja, a maior parte dos maçons nem sequer votou porque muitos não tinham sequer as quotas em dia. E a lista de António Arnaut, escolhida por 45% dos votantes, foi obrigada a disputar a segunda volta com o principal adversário: José Manuel Fava teve 35% dos votos.
A segunda volta da eleição foi marcada para 22 de Junho de 2002. Separados por apenas 84 votos, os dois candidatos a grão-mestre sabiam que sairia vencedor quem conquistasse o apoio de Morais dos Santos, cuja lista tinha tido cerca de 90 votos. António Arnaut garantiu de imediato esse apoio e ganhou a eleição: na primeira contagem, e ainda sem a ratificação do Grande Tribunal Maçónico, teve cerca de 68% dos votos expressos, mais 215 votos que José Manuel Fava.
No final da desgastante eleição maçónica, António Arnaut apelou à participação de todos os Irmãos do GOL, mas também disse que tinha memória - "Não sou pessoa sentida, mas não esqueço". Por isso, quando recebeu os parabéns por fax enviados por José Manuel Fava, o socialista de Coimbra respondeu também por fax: "Disse-lhe que espero corresponder às expectativas que ele próprio depositou em mim quando insistentemente me pediu para ser candidato", relembrou à SÁBADO.
Os negócios na maçonaria
No Grande Oriente Lusitano (GOL), durante a campanha para as eleições de 7 de Junho de 2008, o clima de conspiração e de manipulação saltou as portas do templo e deixou marcas muito profundas entre os apoiantes das candidaturas de António Reis, ex-secretário de Estado da Cultura, e Filipe Frade, um empresário e coronel na reserva que participou na luta armada contra o Estado Novo e integrou a Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR), liderada por Hermínio Palma Inácio.
O programa da candidatura de Filipe Frade e dos seus dois adjuntos, João Palmeiro e António Faria, era bastante crítico em relação ao que se estaria a passar dentro e fora da maçonaria. Logo na declaração de princípios defendia-se que os maçons deviam lutar contra quem detinha cada vez mais o poder efetivo, mas "não era eleito pelo povo". Para Filipe Frade, obreiro na Loja Delta, eram cada vez mais claras as consequências do desequilibro de poderes: "endividamento dos Estados"; "desmantelamento dos serviços públicos"; "corrupção"; "deslocalização das empresas"; "desemprego"; "pobreza"; "doença"; e "medo".
Mas o que chateou verdadeiramente os apoiantes de António Reis foram os vários recados que o programa também dirigia ao adversário, questionando os últimos três anos do Grão-Mestrado. Por exemplo: "A confusão instalada entre a construção maçónica e a construção civil não é apenas um retrocesso, antes revela o método que tem passado do exterior – a visualização das obras públicas – para o interior, em tais circunstâncias de modo infamante e lesivo da Honra e Dignidade Maçónicas."
Num outro ponto, Filipe Frade salientava que os maçons não deveriam estar só atentos aos ataques externos, mas também aos "não menos comuns acidentes internos, infiltrações e «progressões» inesperadas." A alusão não podia ser mais clara ao percurso maçónico de António Reis, um membro relativamente recente da Loja José Estevão, uma das mais antigas do GOL e que nunca terá abatido colunas em mais de 100 anos de vida – uma das críticas que mais se ouvia em surdina no GOL, era que, com a subida a Grão-Mestre, António Reis teria saltado do grau 3 para o 33, o mais alto na maçonaria.
A Lista B garantia que estava também iminente a "agressão interna ao património histórico" do GOL e anunciava que se ia bater pela defesa intransigente da autonomia das instituições para-maçónicas. Também aqui a crítica era óbvia a António Reis e ao seu projeto de criação de uma fundação maçónica, que estava praticamente concluído e era considerado pelo próprio como uma das suas maiores vitórias. No programa eleitoral da Lista A, argumentava-se que a fundação iria "contribuir decisivamente para a salvaguarda e valorização de todo o património da nossa Obediência" e também para beneficiar do "apoio da Segurança Social."
Em 2008, António Reis era o mais forte candidato a Grão-Mestre do GOL, depois de um primeiro mandato que o próprio dizia ter tornado a Obediência "mais unida" e "mais presente na sociedade portuguesa." Mas o candidato achava que ainda tinha muito trabalho pela frente. Um dos próximos passos seria a aposta na expansão da maçonaria no território nacional, nos países de expressão portuguesa e "junto das novas gerações."
Para António Reis, o recrutamento de maçons devia saltar em definitivo para fora de Lisboa, privilegiando os "centros de grande desenvolvimento no âmbito dos serviços, da indústria, do comércio, onde o ensino universitário e politécnico impulsionou esse vigoroso impulso."
Só assim a maçonaria se tornaria mais forte, mas teria de se ter atenção ao perfil dos novos maçons - "As consequências da qualidade do recrutamento são visíveis quase de imediato e a ausência de critérios de selecção dos candidatos à iniciação comporta custos que serão muitíssimo elevados."
A missão era tão mais importante porque a maçonaria tinha a obrigação de aproveitar a oportunidade propiciada pela conjugação do declínio das ideologias e das religiões "junto das elites urbanas cultas." O tema era recorrente no discurso de António Reis. Quando se candidatara pela primeira vez a Grão-Mestre, em 2005, o maçon defendera que o principal perigo, depois de ultrapassados o "clericalismo ultramontano" e os totalitarismos políticos e ideológicos, assentava precisamente nos "novos fundamentalismos religiosos."
Na primeira candidatura, António Reis fora também bastante mais explícito e contundente porque colocara como objectivo prioritário o combate à "manipulação de consciências", à corrupção e ao compadrio, a luta contra o "indiferentismo abstencionista" e a defesa intransigente do princípio da laicidade do Estado. Neste último caso, disse aos Irmãos que, enquanto Grão-Mestre, iria fazer uma "oposição firme a qualquer integrismo fundamentalista, ostensivo ou larvar, que procure impor valores, convicções e símbolos confessionais ou do foro íntimo de cada um na esfera pública (…)."
Três anos depois, a mensagem de combate social aparecia bastante mais diluída no programa de António Reis. O recandidato apostava antes na continuação das obras de modernização do Palácio maçónico - por exemplo, a construção de um templo no 1º andar destinado aos altos graus do rito francês – e na organização definitiva dos arquivos secretos do GOL, iniciada cerca de um ano antes. Em Julho de 2007. a documentação maçónica começara a ser arrumada manualmente por localidades, oficinas e nomes de maçons. Depois, com o auxílio de um programa informático específico, iniciara-se a recolha dos dados dos livros de cadastro maçónico, que são registos semelhantes a sumários ou atas internas.
Apesar de moroso, o processo estava a andar a bom ritmo, pois também já se conseguira copiar informaticamente os sumários do percursor do GOL, o Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), nomeadamente os registos feitos entre "o fim da publicação do Boletim Oficial e a proibição da maçonaria em Portugal (Fevereiro de 1931 a 1935)."
Para complementar a recolha da história do GOL, António Reis propunha outra tarefa mais complexa, mas que devia ser feita, como é apanágio da Irmandade, com muita discrição: a junção de toda a documentação maçónica que ainda estava dispersa na Biblioteca Nacional, na Biblioteca da Universidade de Coimbra, na Fundação Mário Soares, no Arquivo Histórico-Militar ou em espólios pessoais de maçons e de lojas. Neste último caso, Reis garantiu que ia sugerir à Grande Dieta que aprovasse uma alteração ao Regulamento Geral do GOL para obrigar as lojas a entregarem a documentação com mais de cinco anos.
Declarando-se contra as "tentativas hegemónicas por parte de qualquer Obediência", António Reis anunciou ainda aos maçons que queria promover a formalização do "Espaço Maçónico Europeu" e manifestou-se aberto à possibilidade da criação de um "Espaço Maçónico Ibérico". Este ponto do programa reflectia um aspecto central para os maçons: a preservação da solidariedade entre os Irmãos. Contudo, nas eleições de 2008, como de resto em centenas de episódios ocorridos na história da maçonaria portuguesa, a solidariedade depende sempre do ponto de vista.
A contra-informação maçónica
Na verdade, até o erguer de colunas de novas lojas pode ter muito pouco de espírito maçónico. Não raras vezes, novas lojas são abertas (ou reabertas) porque os maçons simplesmente já não se suportam nas Oficinas que frequentam. Na maior parte das vezes, as guerras maçónicas começam a ser travadas entre colunas, no interior do templo, e longe dos olhares dos profanos - os períodos eleitorais, como a disputa do cargo de Grão-Mestre, representam quase sempre momentos de grande efervescência maçónica.
No GOL, a 28 de Maio de 2008, uma mensagem de e-mail, alegadamente dirigida a António Justino Ribeiro, um dos candidatos a Grão-Mestre adjunto na lista de António Reis, deixou os maçons à beira da guerra total. Não era para menos. "Caro amigo Justino, na sequência da nossa conversa de ontem confirmei que o comunicado que fiz sobre o [Filipe] Frade está a circular. Já pus os meus homens a dizerem e fazerem circular, como o combinado, que o Frade é paneleiro. Vamos estar alerta. Com um abraço amigo e fraterno, Vasco Lourenço", dizia a mensagem conspirativa.
O polémico e-mail, e os inúmeros comentários electrónicos que se seguiram, levaram o Conselho da Ordem do GOL a intervir de imediato. Para o órgão máximo da maçonaria do Bairro Alto, a situação era extremamente grave não só devido ao conteúdo da mensagem, mas também porque se tratariam de "documentos apócrifos" que já estariam a circular fora da Irmandade. Por isso, temia-se, a qualquer momento, a "divulgação pública não controlada."
Isso nunca aconteceu. No entanto, depois da intervenção do Conselho, os maçons Vasco Lourenço, da Loja 25 de Abril, e António Justino, da Loja Montanha, tomaram a iniciativa de divulgarem a toda a Irmandade as respostas onde negavam qualquer envolvimento na insólita história. Segundo António Justino, que garantiu não ter endereço de e-mail ou sequer saber como "funcionava tal coisa", tratava-se de uma armadilha que só poderia ter sido concebida por maçons "peritos" em "contrainformação" e que estavam a utilizar a "mentira" a "difamação" e a "vilania" para "desviar o foco das atenções da campanha."
O coronel Vasco Lourenço foi mais longe e, depois de anunciar que já tinha feito uma queixa à Polícia Judiciária, acusou a lista de Filipe Frade de estar por trás da alegada manobra de contrainformação - "Já previa situações desta natureza, quando no documento que subscrevi, juntamente com outros Irmãos Mestres Maçons, em que se tomou uma posição crítica a uma candidatura a Grão-Mestre do GOL, se afirmava ‘contamos com a reacção do candidato Filipe Frade e dos seus apoiantes mais próximos: as calúnias, as acusações, a vitimização, não se farão esperar…’ Confesso, no entanto que nunca imaginei que alguém, no seio da N.A.O [Nossa Augusta Ordem] pudesse descer tão baixo!"
A guerra eleitoral estava ao rubro. Cerca de duas semanas antes do insólito e-mail, Vasco Lourenço e 22 outros mestres maçons (um deles era o histórico Edmundo Pedro) das lojas 25 de Abril, Romã, Estrela do Norte e Utopia, já tinham subscrito e divulgado uma declaração coletiva onde defendiam que a hipotética eleição do adversário de António Reis "abriria as portas à radical transformação da nossa Obediência, porventura à sua destruição."
Os maçons garantiram ainda que a atividade maçónica de Filipe Frade na loja Delta, e também nos altos graus do rito francês, fora sempre marcada por grandes conflitos, com "acusações de roubo do malhete e outros impropérios." E que seria também ele o responsável directo pelas três cisões que levaram à saída de vários Irmãos da Delta para fundarem as lojas Bontempo, Transparência e Romã.
"Será admissível que o obreiro Filipe Frade tenha feito um exame de consciência e se tenha arrependido das atitudes e comportamentos, maçonicamente desviantes, que protagonizou no seu passado recente?" A resposta era dada de imediato pelos próprios mestres maçons, entre eles, o Secretário-Geral do GOL em funções, Artur Pita Alves, que integrava o Conselho da Ordem cessante presidido por António Reis, o outro (re)candidato a Grão-mestre do GOL - "Somos cépticos em relação a tal, a avaliar pelo programa de candidatura."
No início de Junho, a poucos dias das eleições, a comissão da candidatura de Filipe Frade queixou-se que estava a ser alvo de um ataque sem precedentes no GOL, inclusive com a participação do Grande Secretário-Geral, e que as "torpes acusações" proferidas pelos adversários representavam um "autêntico assassínio de carácter" do candidato e dos seus apoiantes.
Entre os sete subscritores da longa queixa ao Conservador Geral de Justiça, o juiz conselheiro Artur Costa, o socialista Luís Grave Rodrigues e o jornalista Inácio Ludgero. "O comunicado (…) contém à guisa de «acusações» não mais do que um arrazoado de incomensuráveis falsidades, feitas de forma impudicamente genérica e sem substância concreta e precisa, que mais não passam do que absurdas banalidades de proveniência que não se vislumbra ser compatível com quem é «livre e de bons costumes»", especificava a queixa. Os maçons exigiram ainda a abertura de uma processo e a suspensão imediata de funções de Artur Pita Alves.
Após a vitória de António Reis, o Conservador Geral ainda enviou, em Julho desse ano, o caso para o Grande Tribunal Maçónico. No despacho, Artur Rodrigues argumentou que não tinha dúvidas sobre o comportamento ilegal do Grande Secretário-Geral, mas considerou que pouco ou nada se podia fazer quanto à atitude dos restantes 22 Irmãos. A justificação? O Regulamento de Justiça Maçónica não previa sequer o que fazer em relação aquela situação concreta.
Os dois casos foram decididos no ano seguinte e já pelos três novos membros do Grande Tribunal Maçónico, que tinham sido eleitos pela Grande Dieta e nomeados pelo novo Conselho da Ordem. A 4 de Junho de 2009, o tribunal comunicou a todos os maçons o "inexorável arquivamento dos autos."
A decisão só aparentemente colocou uma pedra sobre o assunto. As feridas mantiveram-se abertas, apesar da vitória expressiva de António Reis, que foi reeleito a 7 de Junho de 2008. A sua lista, a A, teve 75,8% dos votos – a lista B, de Filipe Frade, conseguiu 21,2%, verificaram-se 3% de votos nulos/brancos e a abstenção dos maçons foi de 34%.
A investidura do grão-mestre e chapada na rua
A investidura do novo Grão-Mestre aconteceu a 27 de Setembro, na sede do GOL. Para assistir à cerimónia, estiveram em Lisboa, entre outros, Marc-Antoine Cauchie, presidente do CLIPSAS, a maior organização mundial da franco-maçonaria liberal e não dogmática. E, entre outras, as delegações da Ordem Maçónica Internacional Delphi (Grécia), da Grande Loja de Itália, do Grande Oriente do Luxemburgo, da Grande Loja Liberal da Turquia, do Grande Oriente da Bélgica, do Grande Oriente de França, do Grande Oriente Ibérico (Espanha) e da Confederação Maçónica Brasileira.
No Bairro Alto estiveram ainda centenas de maçons portugueses vindos de todos os pontos do país, que ouviram António Reis anunciar a boa nova: três dias antes, tinha sido feita a escritura notarial que constituía finalmente a Fundação Grande Oriente Lusitano - "da qual todos, sublinho bem, todos os Mestres Maçons são membros."
Dentro do templo, António Reis estava prestes a exigir o reforço da presença solidária da maçonaria em Portugal e no Mundo, mas lá fora, nas ruas estreitas do Bairro Alto e logo após o almoço, vários maçons assistiram incrédulos a mais um episódio que lhes lembrou que o fim das eleições não tinha pacificado a Irmandade.
Depois de uma breve troca de palavras sobre o majestático trono dos altos graus onde se sentara João Alves Dias durante a cerimónia da manhã, o Soberano Grande Comendador do Grau 33 agrediu o candidato derrotado Filipe Frade com uma bofetada na cara. Os óculos do velho coronel partiram-se no chão. Menos de oito meses depois, Filipe Frade, e dois outros maçons, Manuel Oliveira Lima e Vítor Gonçalves da Costa, todos da Loja Delta, souberam que tinham sido suspensos da maçonaria pelo Grão-Mestre António Reis.
A acusação, que não falava do caso passado com João Alves Dias, referia apenas o que classificava como "(…) considerações ofensivas para os órgãos actuais e imediatamente anteriores da N.´.A.´.O.´. (…); ofensas dirigidas à honra e consideração do Sap.´. Grão-Mestre e membros do Conselho da Ordem." E se dúvidas houvesse sobre a origem da guerra maçónica, o decreto de António Reis tirava-as de imediato lembrando que o alegado comportamento antimaçónico era semelhante ao ocorrido durante a "última campanha eleitoral protagonizada pelo Irmão Filipe Frade".
Depois da reeleição de António Reis, Filipe Frade e vários apoiantes continuaram a ser vistos como opositores, sobretudo porque mantinham a contestação ao projecto da fundação e defendiam a independência dos Altos Graus do Rito Francês – Filipe Frade, Manuel Lima e Vítor Costa chegaram a constituir por escritura pública, a 14 de Dezembro de 2007, a associação Soberano Grande Capítulo de Cavaleiros Rosa Cruz, Grande Capítulo Geral do Rito Francês em Portugal, com sede provisória no Grémio Lusitano.
Na maçonaria irregular portuguesa, a posse da carta patente do rito francês, que fora outorgada em 1804 pelo Grande Oriente de França aos Cavaleiros da Rosa Cruz, nunca foi pacífica para muitas lojas maçónicas e o Conselho da Ordem liderado por António Reis. Na prática, a intrincada questão resumia-se em saber quem tinha legitimidade para mandar em Portugal nestes altos graus minoritários no GOL.
A confusão interna foi tanta que, em Abril de 2009, o site oficial do Soberano Grande Capítulo publicou na internet os nomes de 13 maçons que tinham acabado de ser irradiado – a exposição também consta na queixa que o Grão-Mestre António Reis apresentou contra o anterior adversário, Filipe Frade, apesar da divulgação das expulsões ter ficado limitada à Irmandade, porque o site oficial do Soberano Grande Capítulo só permitia a entrada através de uma palavra-chave distribuída apenas a maçons.
Segundo as regras internas do GOL, o processo disciplinar foi comunicado pelo Grande Secretário, Manuel Oliva, ao Grande Tribunal Maçónico, que nos 30 dias seguintes, concretamente a 4 de Junho de 2009, concordou com a suspensão provisória dos Irmãos. Imediatamente, Filipe Frade, Manuel Lima e Vítor Costa deixaram de poder frequentar os templos maçónicos ou simplesmente entrar na sede do Bairro Alto.
Quando isso aconteceu, vários maçons previram o que poderia acontecer. Mas só tiveram a certeza absoluta quando o Conservador Geral de Justiça, José Luís Forte, se limitou a enviar o expediente do processo para o Grande Tribunal Maçónico. A 1 de Fevereiro, os maçons suspensos contestaram o que consideravam ser o lavar de mãos do Conservador - "Promovendo uma tentativa de conciliação em que os ofendidos são (potencialmente) chamados à mesma (se algum dia esta se realizar!... o que dados o antecedentes de recusa de diálogo por parte do Grão-Mestre/Conselho da Ordem se duvida) com o peso da corda no pescoço, que é ao que conduz a situação de suspensão ilegal em que se encontram." Acertaram em cheio. Quase três anos depois, em Setembro de 2012, já durante o novo Grão-Mestrado de Fernando Lima, a suspensão provisória ainda se mantinha.
Doze anos depois de ser iniciado na Loja Universalis, Fernando Lima, ex-presidente da construtora Abrantina e o novo homem forte da Galilei (ex-Sociedade Lusa de Negócios), foi eleito grão-mestre do GOL a 4 de Maio de 2011. A eleição foi conseguida logo na primeira volta, pois o empresário teve a maioria absoluta dos votos, cerca de 57%.
Na própria noite eleitoral, o Grão-mestre cessante António Reis não escondeu a alegria: a massiva ida às urnas dos maçons representava "um recorde absoluto". Segundo garantiu, teriam votado cerca de 1000 mestres maçons e a abstenção ficara próxima dos 30%. "É inédito", frisou o maçon, que também lembrou que tinha ganho a sua última eleição, em 2008, "com pouco mais de 600 votos."
A investidura de Fernando Lima verificou-se alguns meses depois, durante a Grande Dieta de 24 de Setembro. Depois, à noite, a partir das 21 horas, largas dezenas de maçons portugueses e estrangeiros juntaram-se num ágape branco realizado no Hotel Continental, em Lisboa.
A Lista A de Fernando Lima, o maçon que gerira o património do GOL nos últimos seis anos e que pagara do próprio bolso várias obras na sede da maçonaria, fora sempre considerada a favorita à vitória. A maioria dos maçons viam-na como a continuidade do Grão-Mestrado de António Reis, que declarara prontamente o seu apoio à candidatura – "(…) porque saberá inovar, mantendo a tradição", justificou. Durante a campanha eleitoral, dois outros antigos Grão-mestres, António Arnaut e Eugénio de Oliveira, também revelaram que votariam em Fernando Lima.
Na documentação eleitoral que enviou à Irmandade, o gestor apresentou-se como o candidato da "fraternidade e união" de todos os maçons, propondo até a criação de uma Comissão de Conciliação para sanar os eventuais conflitos e a abertura de uma linha telefónica SOS-Solidão para ajudar os maçons em dificuldades.
No entanto, era outra a razão principal que levara Fernando Lima a avançar para a liderança do GOL, juntamente com um antigo Conservador Geral de Justiça, Cipriano Oliveira, iniciado em 1987 na Loja Simpatia e União, e Luciano Vilhena Pereira, ex-presidente da Grande Dieta iniciado em 1982 na Loja Vitória, do Porto: "Sabemos o quão urgente é fazer imperar a virtude e a pratica da fraternidade numa sociedade onde reinam o vício, a inveja, o fanatismo, a discórdia, a vaidade e os preconceitos que escravizam o ser humano."
Entre as propostas da Lista A constava o inevitável recrutamento de profanos para "desenvolver a implantação da Obediência por todo o País", se bem que se alertasse que a maçonaria não devia "dar primazia à preocupação do número", mas sim à sua "qualidade". Outra medida preconizada era a "política de comunicação", pois os candidatos defendiam que o GOL não podia deixar "passar em silêncio" eventuais episódios de "retrocesso para a Humanidade."
Para actuar neste campo, a maçonaria teria de tomar duas medidas urgentes. Uma era a criação de um gabinete de assessoria e aconselhamento, para evitar qualquer confusão decorrente das intervenções maçónicas - "Uma afirmação de um maçon deve ser sempre considerada como fruto da sua honestidade e do desejo de contribuir para o progresso da Sociedade e nunca como uma maquinação ou fruto de uma conspiração."
A segunda medida previa a organização de um novo sistema interno de comunicação no GOL que evitasse as fugas de informação da mais poderosa Irmandade portuguesa. A passagem dos segredos para o exterior sempre foi vista pelos maçons como o grande obstáculo ao recrutamento de novos e influentes membros e à actuação silenciosa da Irmandade na sociedade.
Para combater o que consideram ser uma traição, os maçons têm tentado insistentemente controlar os fluxos de informação sobre a Irmandade, através da confidencialidade dos seus documentos internos, sobretudo referentes às novas iniciações. A tentativa de controlo da informação e dos segredos maçónicos tem sido tal que, durante as eleições para o Grão-Mestrado do GOL de 2011, uma lista candidata resolveu levar o secretismo quase às últimas consequências e não distribuiu sequer o programa eleitoral ou qualquer outro documento maçónico.
A Lista C optou antes por fechar toda a informação num site da Internet de acesso reservado a "convidados" e a todos os outros, maçons e não maçons. Para entrar em www. entrecolunaslistac.com/web/ eram exigidos os seguintes dados: nome, e-mail, telefone, a identificação da loja do GOL, o número da mesma, a sua localização e ainda as iniciais do nome profano do respectivo venerável mestre da Oficina.
O autor da inovação de segurança foi o candidato a Grão-Mestre adjunto, Luís Moutinho, um informático da Loja Passos Manuel, no Porto. Da Lista C faziam também parte o candidato a Grão-Mestre, António Roseiro, um médico dentista que já passara pelas lojas 25 de Abril, Convergência, Ocidente e Luís Nunes de Almeida, e Leonel Pires, o segundo candidato a adjunto que fora Grande Secretário do GOL em 1991, quando era Grão-Mestre Ramon La Féria. Ao longo dos anos, o Irmão Leonel somara incompatibilidades sucessivas nas várias lojas por onde passara: a Rebeldia, a Livre Pensamento, a Delta, a Transparência e a Liberdade Livre.
Na página fechada da internet, foi o mandatário da candidatura, identificado apenas com as iniciais "JNM" (José Nuno Martins), que justificou aos maçons o porquê do cuidadoso comportamento da Lista C: "Chegou a um sítio ‘fechado’ que, por conter materiais relacionados com a nossa Obediência deve ficar estritamente a coberto de olhares profanos."
Não era bem assim. Para reduzir ainda mais as possibilidades de fuga de informação, a lista candidata estabelecera algumas regras a que teriam de se submeter os próprios maçons: a cada um deles só era permitida "uma única visita", e durante "alguns minutos", ao conteúdo do site. Depois, o sistema informático bloqueava de vez o acesso aos Irmãos visitantes. Também por razões de segurança, não era possível usar a função "copy/paste" para transferir o conteúdo de documentos.
A mensagem introdutória do site terminava com um conselho: "(…) a melhor maneira de conhecer as razões, os propósitos e os modelos dos Candidatos (…) será, sem dúvida, assistir e participar nas Sessões de Loja ou nas Reuniões de Esclarecimento em que os Candidatos estarão presentes".
Após as eleições de Junho de 2001 e antes de o site ser definitivamente desactivado, a Lista C, que ficou em segundo lugar com 26% dos votos, deixou aos maçons do GOL uma última mensagem que dizia que a unidade interna só poderia ser reforçada se todos os maçons fossem, no plano externo, "prudentes, serenos e competentes."
Na curta comunicação inferia-se ainda que a lista propusera os seus procedimentos de segurança como obrigatórios para todas as candidaturas às eleições, mas que isso fora recusado pela Irmandade – "Terminou a nossa tarefa. Avisámos, sem rodeios, sobre alguns dos perigos a que ficamos ainda mais expostos."
Dois anos antes, em Outubro de 2009, o grão-mestre adjunto António Justino Ribeiro, um gestor que passara pela Loja Montanha, já defendera que a circulação da informação através da Internet estava a colocar em risco os segredos do GOL. Numa longa prancha confidencial, "O papel do segredo nas sociedades iniciáticas", o maçon defendeu que as bases de dados mais sensíveis deviam ser mantidas em equipamentos não ligados à Net e recomendou um maior controlo do acesso aos equipamentos informáticos do GOL.
Neste último caso, a entrada no sistema informático devia ter patamares de acesso. Outras normas de segurança passavam por evitar a disseminação da informação por correio electrónico, com o sistema informático a ter de possuir controlos automáticos "capazes de elaborar relatórios específicos em cada uma das áreas sensíveis" e "sempre que alguém" tivesse "acedido ao sistema."
O segredo como forma de poder
Na maçonaria, o segredo é o seu princípio imanente. Paradoxalmente, uma das suas principais funções consiste em excluir. É uma barreira que serve para delimitar as fronteiras: de um lado estão aqueles que são e podem saber, do outro, todos os outros que não são e não têm a legitimidade de saber. Numa sociedade iniciática como a maçonaria, o segredo organiza as relações entre profanos e iniciados, e é um meio poderoso de coesão e de actuação do segundo grupo.
A iniciação representa assim o acesso a um segredo intransmissível para o exterior mas também uma manifestação – posta em prática através de um jogo que envolve sinais, discursos e pessoas – daquilo que deve ser ocultado: um conjunto de relações sociais que giram em torno de vários outros segredos.
Assim, a iniciação tem a função ambígua de comunicar o segredo preservando-o, de o transmitir para agregar mais um profano, mas conservando-o através do uso de símbolos, insígnias e gestos simbólicos reservados e compreendidos apenas por uma minoria, que se estrutura através de um conjunto de corpos sobrepostos a que correspondem diferentes graus, todos eles dependentes de um corpo dirigente, que detém o controlo e a direcção de todos.
O juramento maçónico, feito na iniciação e repetido na elevação aos graus seguintes, tem sempre na base o compromisso da preservação dos segredos através da teatralização dramática dos rituais, um psicodrama que serve para dar coesão ao grupo – em termos simbólicos, a iniciação comporta sempre a morte e o renascimento de um novo membro, uma experiência que deve ser compartilhada por toda a Irmandade.
Em suma, a maçonaria não se limita a utilizar o segredo para manter intacta a capacidade conspirativa ou para se proteger do exterior, isto é, o segredo não tem um carácter meramente instrumental e temporário como acontece com as organizações clandestinas.
Em 2009, António Justino esforçou-se por delimitar as diferenças entre as ordens secretas iniciáticas, como a maçonaria, e as organizações secretas clandestinas, salientando que as primeiras se regiam por um conjunto de valores ético-morais que assentavam numa filiação lendária e imemorial, invariavelmente ligada às origens do mundo, aos textos bíblicos, á vida dos apóstolos e de santos virtuosos.
Era esta matriz histórica que se traduzia numa espécie de Carta Patente, que também reconhecia a autenticidade e legitimava a cadeia iniciática da maçonaria. Mas a história sempre revelou que esta linha divisória nem sempre é assim tão clara, conforme reconheceu o próprio maçon António Justino: "As sociedades iniciáticas quando prosseguem o seu ideário contra os poderes do Estado e/ou outras forças poderosas, em regra seduzidas pelo poder político ou financeiro, acabam por ser violentamente perseguidas, como foi o caso dos Templários, dos Jesuítas e da Maçonaria. E outro tanto acontece quando se aliam a poderes que protagonizam objectivos contrários aos seus."
Para António Justino, os piores inimigos da maçonaria eram aqueles que, através de "pactos baseados unicamente em interesses ou ambições ilegítimas", usavam a maçonaria para "fazerem carreira ou arranjarem grandes empregos". Os seus objectivos não eram os valores universais da maçonaria, mas os "lobbies" que congregavam "interesses políticos e económicos obscuros."
Para conseguirem esses objectivos, os inimigos da maçonaria actuavam em vários níveis, sobretudo depois de desvendarem os maiores segredos da Irmandade. "(…) com a colaboração dos traidores, os provocadores ficam com a Organização e os seus membros à mercê. Uns actuam a nível da Direcção, outros dos Serviços e outros ainda disseminam-se pelas Lojas, agindo todos eles sob orientação de um Centro de Conspiração", garantia António Justino, antes de explicar ainda melhor o método de actuação: "A forma mais habitual de desferirem os seus golpes consiste em infiltrarem os Corpos Dirigentes através da chantagem, da sedução, do suborno, da intriga e de outros meios."
A estratégia incluía ainda uma segunda fase de actuação: a infiltração nas Lojas e nos serviços administrativos-burocráticos do GOL, por exemplo, na Grande Secretaria, onde estão todas as informações sobre a sociedade e os seus membros.
A premonição de António Justino cumpriu-se anos depois, em Agosto e Setembro de 2012, quando foi conhecida uma fuga de informação sem precedentes na longa história do GOL: 1952 nomes de maçons foram publicados na internet. A lista com os primeiros 1438 Irmãos surgiu no blogue Casa das Aranhas, nos comentários a um texto intitulado "A maçonaria em Portugal – uma história de corrupção e conspiração". Um mês depois, o site Luzsec Portugal, alegadamente de um grupo de hackers informáticos, publicou a totalidade da lista garantindo que já tinha recebido a lista há alguns meses, mas que tomara a decisão de não a publicar.
Nas eleições do GOL só votam maçons com o grau de mestre (há ainda dois degraus inferiores, os aprendizes e os companheiros). No total, e com as quotas em dia, deverão ser cerca de mil os maçons mestres que poderão votar. As eleições realizam-se a 3 de Junho e, se um candidato não atingir a maioria dos votos à primeira volta, tem de ser realizada uma nova eleição com os dois candidatos mais votados. Como uma eleição presidencial.
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